Poemas & Artigos


















POEMAS
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Poema: "Eu perdoo-Te" (2013) por João Pereira
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Se o oceano onde imerso estou
For apenas Maya que um supremo sonho d’Amor emanou
Havendo o porquê, haverá o para quê que aqui estou…

    Então eu perdoo-Te, oh Criador
    Então eu perdoo-Te, oh Criador

    Se quase reais viscosas águas prestarem então serviço
    A reais fluidas lágrimas, no plano do feitiço
    Se a assassina massa por osmose purgada for célere
    Tolhendo seus dedos aos sons da espada cega…

    Então eu perdoo-Te, oh Criador
    Então eu perdoo-Te, oh Criador…

    Com grandes milagres envoltos em Tudo
    Me distraístes da transversal chaga em meus núcleos
    Assoprei Teus nomes, outros curando
    Fui mônada no real e ralé no entrudo

    Eu perdoo-Te, oh Criador
    Eu perdoo-Te, oh Criador!


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Poema: "Deserto" (2013) por João Pereira
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1
De tanto a vida me ter feito morrer pra mim mesmo
Renderam-se os medos de rojo despidos
Às lágrimas a rodo quais escopros esculpindo
Réquiens de mim em odes a tudo!
2
Sorve do etérico saudoso beiço, sorve sentindo
Ternas memórias de pré-primários júbilos findos
Gretados lábios beijando sulcos das pegadas mesclando
Cloretos de sódio com miragens d’açambarcamento
3
Sementes frívolas de fúteis prazeres
Brotaram do chão vultos d’ermos viveres
Induzindo n’alma férulas pla via gasta da dor
A prece que revela ao eu a vacuidade em redor
4
Sopro Divino à Hierarquia ordenou
– A noite escura pra ele chegou!
Viram a ampulheta, cambia o cenário
Palhaça no chão do tecto – A abóbada negra arribou!
5
Mar chão dourado dissipa o tornado
Antítese de mando ao mandante acostumado
Lacraus na marmita, dejejuns a comer
O équo atrito que pule o cogitativo ser
6
Corpo rasgado em rasgado cor mirando
Salés feitos canoa entre dunas marulhando
Em érebas areias anéis que cavalgam dedos penetro
Síncronos sonoros orgasmos da Mãe-terra liberto!
7
Mil vezes coroei-me louco e outras mil abdiquei
Por ter visto ao longe da torre do siroco rei
Reis momos quais monos adestrados imitando
Conjecturadas reacções injectadas plo negro comando
8
Oh seca saliva ao canto da boca
As sémen-contra choças vedes pla fé feitas?
Relembrando a ti e à resipiscência
Que teu mal é cosa pouca no espectro da existência!
9
E no instante da cíclica aurora, vastidão revelando
Núncio rúbeos fios o porvir sol a pino proclamando
Na hora mais silenciosa, desceu o instrutor afirmando
– Reúne-te e sai, a porta fechando

£££

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Poema: "Salão-de-chá" (2013) por João Pereira
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1
Por assim me ter sido permitido
Quiçá por Graça ou por inopinada instrução no Caminho
Dos ignotos véus desnudaram-me os olhos
Por momentos vi, como Deus nos vê…Prostrados
2
Salão-de-chá adentro ao balcão serviram-me
Café arábica com pastel dito de nata
Prazer contido, plo orquítico testículo do fisco
Cravo um montecristo, pra reequilibrar o furto!
3
Da mesa ao canto calamocado fui
Por três untuosas tias em chalaceador aparato
Fiquei na dúvida se num salão entrei
Ou se lhes trocaram o chá por vinho farto!
4
Lápis nos olhos, laca em glabros cabelos
Retesados mindinhos, xícaras da china a contra-peso
Da fricção do fumo boquilhas das cócegas, com risinhos
Reinam a etiqueta, o glamour e o rococó estilo!
5
O alvo lulu da moda plo óbolo ladrava ansiado
Com tanto bolo e chá preto por cima dele devorado
Bocas esfaimadas lançavam salivosas mãos ao pré-pago
E igualavam frases ao que doutros orifícios fora excretado!
6
Fragmentação das pinceladas retratando
Mui belas damas na tela impressionista
Dispensáveis corpetes sobre cinturas de fada
Conversa discreta, são sem dúvida aristocratas!
7
Subtilmente se apresentava o porvir
Chegou em jeitos dum dicotómico cenário
Céu e inferno a um piscar-de-olhos de distância
Esculturais virgens em alardeadeiros se transfiguravam!
8
Em induzido transe de seguida a Luz desceu
Rompendo qual vela acesa a cônscia câmara imersa em breu
Dum patamar sublime remostraram à matéria
O sórdido oceano da fétida humana miséria!
9
Senti-me esmagado por mim e plos demais
Esmagado é dizer pouco, com tanto lodo no cais!
Exaurido desde esse dia e tolhido pra explanações
Directo ao cerne em supremo esforço, te menciono pois…
10
Multiplicam-se sem pensar, qual extensa mancha de crude
Comendo cadáveres de animais e ainda se julgam na virtude
Lançam a mão a tudo, o que interessa é gozar
– Puxo mais um cá pra baixo, se for pra escravo…Azar!
11
Castelos na praia…Vazios de areia, vazios de tudo…
As melgas mordem, mas continuas manso e mudo…
Teu baptismal nome é Discernimento Nulo…
–Eu sei que tu sabes que eu sei que tu queres apenas comer, dormir e o fálico-furo!
12
De volta a mim, cigarrilha acesa traguei o fumo
Soprei-o em névoa, separando bastidores do palco imundo
Em passo de tango penetro a fronteira efémera
Com o olhar fixo, falo rijo, m’aproximo delas…
13
Vendo-me vir o alerta foi dado!
Trio de peruas com o pescoço esticado!
Debruçado sobre a média dos ouvidos, segrego:
– “Provem o doce de banana por mim feito!”
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Poema: "Faca-do-mato" (2013) por João Pereira
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Prolongamento do firme braço induzindo
O último brado em ganas de morte ticuma-imbuído
Gargarejando salpicas o tropical ar circundante
Com mudos gritos de rubro e rosa ofegante!

Dez mil virgens em dez mil noites cotos são
Comparadas ao êxtase do rítmico binário compasso
Perfurando por instinto, hábito ou satisfação…
Fractais Caos revelam-se Ordem na estocada do mato!

Foste pra mim outrora
Deveres opróbrios doutros comandos
Transfiguraste-te agora
Em fascinação, ritual e vícios de mando!

Impus silêncios!..
Impus vontades!..
Impus déspotas realidades!..
Ejaculei miríades de Leis concebendo, outras miríficas objectividades!

Matei pai, matei filho, matei bastardo!
Pra UN Zero Growth Ambassador fui convidado
Chaostage?..
És pó, és nano, és nada!, perante esta macabra mental tela!


Aniquilei o supérfluo, restaurei o discurso directo
Redimensionei a aberração, o escroto e a moralidade do acto!
Rompi tempo e espaço em pseudo-oníricos deicídios
Com a minha fiel cotó – Betelgeuse de bolso!

Agora…Senectos olhos em ti reflectem velhas memórias…
Na fria superfície passados cálidos se dissipam…
Retenho entre os dedos, réstias de poeiras ditas forças
Sugadas plos odiosos ralos de gritos formando vórtices

- Trago o whisky num ápice, goela ardente!
Aperto o braço do sofá de couro, vultos expectantes!
Lambo o fio da lâmina m'avivando memórias inebriantes
Esvazio-me por fim imerso num agridoce orgasmo de sangue!
§§§











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Poema: "fAsCiNaÇãO" (2013) por João Pereira
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(Lenta e pronunciada declamação)

Dez mil vezes te matei em pensamento
Em outros dez mil caudais de pútridos sentimentos
Estou cansado do reflexo em ti de mim mesmo
Faltam-me as forças pra transformar tal enredo!

Dez mil vezes te esfacelei, aço rompendo
Carnicões no cutelo das formas-pensamento
Miséria a meus pés viscoso sangue correndo
Tinjo pra crer as mãos no quente fluxo sangrento!

As crispadas ondas do rubro mar revolto
Que por fim com a morte se atenuam
Transmitem a falsa paz ao iludido
Pois neste mundo só se avança por atrito

E quando o coração por último amainou
E mais uma vez cai no engano
De ritmo apenas ter o ritmo dele próprio pulsando
Estímulo, passado ou prova lá longe no horizonte, se reaproximando!

E a alma treme de terror
Perante o inexorável destino
Desesperada ora a Deus por um cessar
Que se rompam os grilhões deste circo!

E a fé que pra a ter basta estar vivo
Ressurge gota-a-gota no obscuro poço caindo
Ecoando estranhos sons a alheios ouvidos
De desapego, oração e serviço!

Da prece doutrem palavras reverberando
Nas bastardas paredes da bruta reacção
Beijando por fim a minha mão, abre-a soltando…
O cutelo que tem por sina matar!
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Poema: "Hoje apetece-me RIR" (2013) por João Pereira
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Hoje apetece-me rir
rir sem pensar nada
se o Verbo era Deus
Deus serei na palavra

Hoje apetece-me rir

com escárnios sob máscaras de siso
como o palhaço que actua
miríades de olhos não vendo o pranto, no riso

Hoje apetece-me rir

de altivos sons, descem lágrimas
emito pagando aos outros
as dores outrora em mim espetadas

Hoje apetece-me rir

rir até morrer
e depois de finado plo riso
segunda morte, rindo, quero ter!

Hoje apetece-me rir

dos em vida enforcados
trazendo à luz os supérfluos
pelos sistemas, marionetados

Hoje apetece-me rir

do abismo a um passo
gente que lança a tudo a mão
navio ao fundo, coreto de desesperados

Hoje apetece-me rir

da praga sazonal
saem brutos sem massa
massas-brutas, ao retornar

Hoje apetece-me rir

do compadrio filial
obsequiados galos-novos
em poleiros de cristal

Hoje apetece-me rir

do insensato espiritual
acha a vida cara - mas paga
o dízimo com um sorriso serviçal

Hoje apetece-me rir

do revoltado social
mil e quinhentas luas sofrendo
aquando o voto, tudo igual!

Hoje apetece-me rir

do apressado laboral
ansiado pla jorna mas não sai
da lama financeira e consciêncial

Hoje apetece-me rir

do ter que ser liberal
dezenas de anos estudando...
Rácio soldo-hora tendendo, pró zero existencial

Hoje apetece-me rir

da segurança social
sustenta o drogado com filhos
e afunda o lúcido cônscio-social

Hoje apetece-me rir

por dar comigo ainda rindo
nesta meda de novelas
purgatórios, esculpindo!

Hoje apetece-me rir

Rir até chorar lágrimas
e estas que por fim saciem...
o sequioso bulício em mim de retornar!
§§§




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Poema: "Les Rats" (2012) por João Pereira
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Sento-me, de perna traçada de fronte da alva parede
e bebo dessa cor com os olhos indiferentes -
Antítese que conforta ao que tenho dentro
Dispersas forças da outrora unificada batente/


O coração que aperta o peito dizendo
O oposto do insípido e sussurrante mental enredo
Da 'realidade' de máscaras a cada nova gente
Mentiras que me induzem asco ao ver tal pútrido semblante/


Do Único em mim imploro, das escassas cinzas ténue ardentes
Que m'apraze ao sentimento, libertando a liberdade deste fétido pensamento!
A oca dor que magoa, mas persiste mantendo
O sentir-se vivo até ver, por este lodo de sofrimento/
§§§
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Poema: "Aurora" (2012) por João Pereira
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Vem Aurora, vem...
Expectativa do porvir definido fio a horizonte
Claridade que a céleres passos se faz presente
Em ciclos velando o brilho do cosmos constante/

Vem Aurora, vem...
De tanto te contemplar, imbuída em mim ficaste
Compasso de espera, silêncio em pausa, ilha d'amor que desliza na alma
Oscilante orvalho pendente em delicados fios de fada!/

Vem Aurora, vem...
Fundindo-me em teus fluidos aromas projecto-me
Na força que busco em persistente clamor
Te dão como certa, nas certezas das ditas certas mentes
Estou grato por tudo, entrego-me ao Único
Regna la Pace!
§§§

ARTIGOS

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Artigo publicado a 11.04.2012 no "Diário de Leiria"

ESTADO DE RUPTURA

O
cenário de precariedade social e laboral que se vive actualmente, abrange na sua essência a Humanidade como um todo, e atingiu-se nitidamente uma fase de pré-rutura.
Os vários debates e reflexões sobre a crise a que tenho assistido, focam exclusivamente um leque de soluções paliativas e desviam habilmente o olhar do cerne da questão – que exige um certo grau de coragem, admito – deste complexo problema.
Complexo pelos seus inúmeros ramais de sinuosas consequências, mas tendencialmente simples – embora de solução utópica –, a cada passo dado rumo a montante.
A estratégia de se tentar incutir um misto de otimismo e orgulho de abrangência nacional, mais ou menos forçados, sempre com um pano de fundo implícito, de que essa onda sinusoidal e emotiva transportará a ‘barcaça’, cedo ou tarde rumo ao topo, leva à seguinte questão:
– Anseia-se pelo aumento de produtividade…Mas a que preço? Saturando o País de betão? Poluindo cada vez mais? Exaurindo o planeta?
Prevê-se que neste século, dois décimos da população activa sejam suficientes para manter a actividade económica mundial.
Assim sendo, a causa prima desta actual decadência social (leia-se, a nível global), é a reprodução descontrolada, que passou em pouco mais de oito décadas de 2.000.000.000 para 7.000.000.000 (período de 1930 a 2011).
Será um fenómeno de insensatez conjugado com o egoísmo das massas? Ou será que o maior grau de higienização somado à descoberta e implementação de certas vacinas e medicamentos durante o séc. XX, serviu de catalisador para romper a névoa de ilusão sobre a verdadeira índole desta Humanidade, que poderia ainda subsistir erroneamente na mente de alguns incautos?
As consequências deste descontrole que afectam de forma especial os que mais sofrem, estão à vista de todos:
- A perda da dignidade laboral e individual, fruto do excesso de oferta de mão-de-obra;
- A proliferação de profissões supérfluas e/ou involutivas;
- A competição sem escrúpulos, a indiferença generalizada e a grave distorção de referências;
- O incremento do uso da mais velha fonte de controlo – O medo –, em particular o medo de se perder o emprego;
- O déspota labioso que apraz ao compadrio, para ‘encaixar’ o incapaz e/ou o supérfluo;
- O consumismo desenfreado deste “homem-massa” [Ortega y Gasset] facilmente permeável às persistentes solicitações publicitárias que inflamam o desejo e a consequente reacção de o purgar, reequilibrando-o momentaneamente (nem que seja a crédito);
- A crueldade para com o Reino animal (e não só); Milhões de animais que nascem já pré-destinados às barbáries dos assassinatos diários para satisfação dos instintos carnívoros, os instintos das pessoas sensíveis descritas por Sophia. Fico-me por aqui na descrição deste rol infernal.
Em suma, a Humanidade faz continuamente o mal e espera ingenuamente como retorno, receber o bem.
O ritmo de crescimento populacional é exponencial (imaginem se não houvesse crise) e dentro de alguns anos – se não for mais cedo –, à crise económica se acumulará inevitavelmente a crise das matérias-primas.
E não é preciso ser-se um catedrático para se profetizar, tendo como base um patamar racional, que até ao racionamento dos bens alimentares e derivados energéticos será apenas uma questão de tempo.
                                                                                                        João Pereira
À crise económica se acumulará inevitavelmente a crise das matérias-primas.
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BD - Jornal "Correio da Manhã" 23.01.1999


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Artigo enviado a jornal - 23.04.2012
(eventualmente censurado)

O rio de sofrimento

Aquando do preenchimento do modelo 3 do IRS consultei a extensa lista de 28 páginas e 991 entidades com processo deferido para o ano fiscal de 2011, para usufruto do benefício fiscal de consignação. Para minha surpresa nenhuma tinha relação com a caridade animal, nem tão pouco fazia menção disso na sua designação. Tendo conhecimento das enormes dificuldades com que essas associações altruístas se deparam, e visto que qualquer ajuda é bem-vinda, contactei a Autoridade Tributária e Aduaneira, pedindo informações sobre o assunto. Convido o leitor a fazer o mesmo.
Será que não consideram a caridade para com os nossos irmãos animais (os verdadeiros inocentes) como beneficência, ou como assistência?
Independentemente da eventual resposta, este tema poderá à primeira vista parecer um assunto menor entre o largo espectro de misérias que diariamente se vivem e se vêem, mas é mais um preocupante sinal de alerta a somar ao ‘bolo’ da inexorável decadência desta Humanidade.
De facto, cada um tem as suas próprias experiências negativas (que hoje em dia se acumulam) e como em geral se vive apegado às mesmas, com celeridade se entra num estado de permanente reacção e ansiedade. Daí até à ingestão de calmantes, ansiolíticos e anti-depressivos (cujo consumo irá duplicar nos próximos 5 anos) é um passo.
Mas se se fizer um esforço no sentido de elevação acima deste ‘vale de miséria’, olhando para estes degradativos acontecimentos com neutralidade e impessoalidade (não confundir com indiferença), pondo em prática a célebre máxima “Estar no mundo sem ser do mundo”, começa a vislumbrar-se o somatório destes pequenos ribeiros pútridos, transpondo-se a amplitude perceptiva de um círculo pessoal para local, regional, nacional e por fim mundial, até ao ‘visionamento’ de um enorme rio de forte corrente que abraça quase tudo e quase todos.
Esse rio fétido, de amplitude e velocidades crescentes, que de tão grande parece ter vida própria, leva a Humanidade – que se dispôs a isso por afinidade de acções e intenções – de roldão, precipitando-a num vórtice de indissolúveis problemas, cuja rotação acelera desde os tempos da Revolução industrial.
A pressão do ter que se ter e do ter que se ser, cujos filhos são entre outros o consumismo, o materialismo, a competição, o orgulho e o egoísmo, levam em geral o indivíduo à transposição da subtil fronteira do obséquio e do compadrio.
De tal maneira está arreigada essa cultura, que se casa frequentemente a ‘fome’ com a vontade de ‘comer’, na lusa complacência do “Se estivesses lá fazias o mesmo”.
No fundo, a Nação (e o mundo) chegou ao estado a que chegou porque a média consciêncial da população que a habita lhe corresponde.
A presente ruptura da segurança social – para aqueles que foram abandonados sem um cêntimo, ou a pré-ruptura – para aqueles a quem lhes foi amputado o vencimento, fez com que as ilusões de independência, de dignidade e de liberdade ruíssem por completo.
Não existe liberdade num Estado que abandona totalmente os cidadãos, que por infortúnios da vida, se encontrem sem trabalho, sem subsídio de desemprego e, por ‘meio-tostão’ ganho pelo cônjuge, sem R.S.I.
As guerras, a fome, a ausência de actos de misericórdia, a crise da água, dos alimentos e da energia, as evidentes alterações climatéricas, o recurso ao uso da energia atómica, as sementes transgénicas, entre tantas outras aberrações, coabitam neste heterogéneo planeta. Desde o super-luxo, ao estilo “Dubai”, à mais absoluta miséria, isenta de estilo, do Sudão.
Termino esta breve reflexão transcrevendo estas palavras de Madre Teresa de Calcutá.
“ O sofrimento aqui [em Calcutá] é muito mais físico e material. Mas noutros lugares, onde as irmãs trabalham, o sofrimento é mais profundo e oculto.
Pode encontrar-se uma Calcutá em todas as partes do mundo se se tiver olhos não apenas para olhar, mas também para ver.
[…] É importante que as pessoas conheçam os pobres. A pobreza material sempre se pode satisfazer com o material, mas os rejeitados, os esquecidos, os que se encontram sós, essa é uma pobreza muito maior.
Hoje, a Paixão de Cristo é revivida em cada um de nós de uma forma diferente. Acho que a dor e o sofrimento de Jesus no Getsêmani, que causaram a exsudação de sangue, terão sido maiores do que os da própria crucifixão.
A crucifixão foi temporária na carne, mas a agonia da solidão, da rejeição, do abandono, causaram a exsudação de sangue e acho que hoje vemos essa solidão sendo revivida em muitos países ricos. Estas pessoas estão vivendo a tortura de não serem desejadas, de serem rejeitadas, e creio que esse é o maior sofrimento e a maior pobreza de hoje em dia.”
João Pereira
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